Direito humano a oportunidade

Num mundo tão competitivo e ocupado, onde os segundos se espremem para caber nas agendas e o tempo é tido como um feitor de escravos, nós nos propomos a estudar o direito humano à oportunidade como antídoto contra a violência que a exclusão representa e contra a concorrência selvagem que dilacera nossa essência humana. Porque a seleção natural de Darwin – apenas o que melhor adaptar-se sobrevive – norteia também as entrelinhas da órbita moderna.

 

Durante as reflexões do presente estudo, revisitei na memória velhas lembranças e talvez algumas das minhas mais valiosas vivências e aprendizados. Relembrando minha passagem como Defensora Pública no Município de Mazagão, no Amapá – meu Estado –, e, assim dizendo, às margens do grandioso Rio Amazonas – Macapá é a única capital do País diretamente banhada pelo poderoso rio-mar, bem como o Amapá é cercado pela mágica Floresta Amazônica –, uma pergunta reiteradamente me vinha à mente: o que haveria do outro lado do rio? 

 

Convivendo com a generosidade daquela região simples, e reafirmando, diariamente, a bondade inerente às particularidades humanas, me perguntava o que diferenciava o crescimento pessoal de cada pessoa. Porque tantas vezes vi grandes talentos ignorados e maltratados pelos limites que margeavam o rio e, ainda assim, havia felicidade na simplicidade da rotina ditada pela natureza.

 

Esses questionamentos e minha necessidade pessoal de aprimoramento acabaram por me levar para longe de Macapá, primeiro para Brasília, onde estive durante dois anos também estudando, e, posteriormente, para a PUC/SP, onde iniciei os estudos do presente trabalho.

 

Só quem deixa na outra margem do rio um pedaço de si sabe o quão assustador é ficar longe, o quão difícil é escolher, ir e estar, cada vez mais distante, mesmo com um pedaço do coração, do outro lado, pulsando e perdendo a “esperança de crescer lá no igarapé”.

 

Peço licença pela citação da bela poesia do início desta apresentação, que me leva de volta para casa, mas já vou justificando que logo me esqueço das desculpas, porque o presente estudo possui uma alta carga de poesia, de arte e da reflexão dos grandes pensadores, pois, conquanto se esteja pretendendo a realização de um estudo científico, é impossível, a meu ver, falar da humanização do Direito sem humanizá-lo na essência, mesmo respeitados os parâmetros técnicos necessários à cientificidade do estudo proposto, reforçada pela teoria do imaginário do ilustre professor Willis Santiago[1], que defende o processo “po(i)ético”, criativo, imaginativo de toda obra humana, aí incluídos não só o direito como o conhecimento que se produz a seu respeito como também, em geral, a totalidade do que se conhece, enquanto dependente de alguma forma de decodificação – ou “signatura” –, afirmando que “o direito é, portanto, parte desse universo lúdico, criação do desejo humano, um modo de imaginar o real em descrições que façam sentido.”

 

Aliás, desse posicionamento decorre a complexidade do tema escolhido, tornando impossível direcionar seu estudo em um único campo do direito, pois que o direito à igualdade de oportunidades, com o enfoque proposto neste trabalho, perpassa pelo campo dos direitos inerentes à condição humana, quando trata da dignidade da pessoa humana como valor indissociável ao direito à vida, que, por sua vez, está intrinsecamente ligada ao direito de buscar melhores condições de existência, voltando-se, então, para a linha do direito econômico e para uma ordem social que necessariamente precisa ser voltada para os valores humanos, sob o risco de se afundar na fria estrutura do liberalismo econômico e, consequentemente, perpetuar desigualdades.

 

Rememorando minha trajetória e a vida das pessoas – sempre nessa intersecção da objetividade do texto científico com a subjetividade de quem o escreve –, vou me dando conta de que o grande elo que diferencia e revoluciona a vida das pessoas é o acesso real às coisas públicas e aos direitos positivados, aqui neste estudo nominados de oportunidade – direito humano à oportunidade.

 

Não que o acesso aqui referenciado às coisas que o Estado deve proporcionar seja como um braço a também sufocar a iniciativa humana pelo crescimento, ao contrário, o que se discute, na verdade, é o papel do Estado enquanto criador dos mecanismos de acesso que, naturalmente, libertarão o homem e aperfeiçoarão as capacidades inatas de cada um, inclusive de acordo com seu esforço individual.

 

O direito à oportunidade, garantida nas entrelinhas da ordem constitucional vigente, com a valorização do trabalho humano, com o direito da livre iniciativa, é uma forma de resguardar a própria dignidade humana, que, necessariamente, é fundamento da ordem econômica constitucional. Porém a garantia real de tais direitos exige uma ação do Estado para que se tornem efetivos, respeitadas as diversas realidades de um só país, sob pena de se imputar a ele, ao Estado, um verdadeiro mandado implícito de criminalização por descumprimento de preceitos fundamentais constitucionalmente garantidos.

 

O presente estudo se propõe discutir o direito à igualdade de oportunidades como um princípio concretizador dos direitos fundamentais do ser humano – ainda que  implicitamente regulados – pois que, se as declarações de direitos humanos pressupõem que todos devem ter “igualdade de oportunidade de desenvolver seus dons naturais”, e a CF/88 preceitua a ordem econômica voltada para a liberdade, deve esta, então, garantir que toda pessoa possua iguais condições de lutar, individualmente, para ser bem-sucedida, pois somente garantir que todos sejam “livres” já não é suficiente para a plena eficácia das normas constitucionais, sob pena de se normatizar a exploração de muitos em favor de poucos, institucionalizando-se, assim, a opressão do ser humano, tornando-nos a todos escravos das coisas que possuímos – ou desejamos – e que acabam por nos possuir, pois, como disse o poeta francês Victor Hugo[2]:

 

Desejo que você descubra,

Com o máximo de urgência,

Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,

Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

 

 “Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,

Porque é preciso ser prático.

E que pelo menos uma vez por ano

Coloque um pouco dele

Na sua frente e diga: "Isso é meu",

Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

 

E para que fique bem claro “quem é o dono de quem”, é imperativo que, mais uma vez, haja adequação do capitalismo ao momento histórico, sendo o ser humano o agente motor da história, e que as riquezas necessariamente trabalhem para o desenvolvimento da humanidade, sem, no entanto, “podar” as diferenças e características naturais de cada ser, sob pena de também se perpetrar uma outra ditadura, a da igualdade formal, que veste a todos com o mesmo uniforme, sem observar as características individuais e inspiradoras da essência humana.

 

No entanto, pensar sobre os chamados direitos fundamentais sem observar o direito à igualdade de oportunidades e os mecanismos para sua aplicabilidade é desprender-se da realidade, fundamentando-se em ideias vagas idealizadas de forma utópica, que se desbotam no tempo, podendo gerar falsas compreensões e graves distorções, sem nenhuma aplicabilidade no meio social.

 

Há de haver um entremeio entre a liberdade de iniciativa e a dignidade da pessoa humana, há de existir um mecanismo estatal que garanta que a livre iniciativa represente um caminho para diminuição das distâncias, preconizando que cada ser tenha a oportunidade de desenvolver suas habilidades inatas.

 

Emprega-se a fraternidade, portanto, como proposta de solução da tensão entre liberdade e igualdade[3], oportunizando a todos as mesmas condições de desenvolvimento e crescimento, de acordo com suas características individuais e seus dons particulares.  Preconiza-se o sentimento de fraternidade voltado para a imagem e vida de Jesus Cristo, que nos disse a todos que mais que iguais, somos irmãos. Esse sentimento deve nos levar ao pensamento do bom, do belo, do solidário e do justo.

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